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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005

O que não engorda, mata!

- Carlos, aquela coxinha piscou para mim!

Imaginem ouvir uma declaração desta, no balcão de uma lanchonete. Sim, Carlos fez a cara que qualquer de nós faria, ao ouvir tamanho absurdo da boca de uma pessoa que, por mais que beba socialmente, não estava alcoolizada e nunca passou por tratamento psiquiátrico por causa de algum distúrbio mental.

- Hein?

- É sério! Eu juro que vi aquela coxinha de galinha piscar pra mim. Não, não essas com catupiry, aquela ali com a azeitona enfiada. Aliás, foi a azeitona que piscou ...

Carlos caiu numa sonora gargalhada, enquanto apontava para o salgado dito animado.

- Tadeu, você tá doidão? Tudo bem que esse lugar é uma espelunca, a gente não precisa vir comer mais aqui, mas ...

- Cara, to falando sério. Não tá vendo como eu to tremendo?

E estava mesmo. A gargalhada foi desaparecendo e o sorriso sacana sumiu do rosto de Tadeu, que conhecia o amigo e sabia que ele não era de fantasiar coisas, por mais que vez ou outra costumasse seguir conselhos do horóscopo do dia e ainda tinha fé cega no time do Flamengo.

- Bicho, deve ser uma merda de uma barata que andou ali em cima. Vou chamar esse chinês safado pra limpar essa porcaria.

- Na boa, não era barata não. A azeitona piscou, sei lá, eu consegui ve-la girando como se fosse um olho, sumir dentro da massa, voltar e depois ficou parada de novo.

Carlos se aproximou do vidro e ficou fitando a coxinha, para ver se notava algo. Realmente ficou assustado com a maneira que Tadeu falou, mas não conseguia observar nada. Era apenas um salgado típico de lanchonetes e botecos, gorduroso a ponto de realmente poder matar alguém (entupindo suas artérias, com a degustação dele e de toda a sua família por vários anos) e provavelmente com alguns dias de idade, por mais que o chinês insistisse que saira do forno algumas horas antes. Achou que, se estivesse mesmo vivo, iria no mínimo, respirar suavemente como um bebê.

- Cara, não olha assim de perto não. Eu acho que ela ta observando a gente.

- Aí já é demais não, Tadeu? Eu sei que está tarde e ficar no trabalho diagramando revista até essa hora é foda, mas isso é demais. Você ta precisando descansar um pouco, pede pra te darem uns dias de folga depois que a gente fechar o arquivo.

- Carlos, eu to ficando nervoso mesmo, sai de perto daí.

- Chega, eu vou comprar essa coxinha.

Foi aí que Tadeu desesperou-se e falou para o amigo para que fossem embora. Carlos disse que só iria verificar, cortar a coxinha em dois pedaços com uma faca, para ver se iria sangrar ou ter um espasmo até morrer, piscando enlouquecidamente até o último suspiro. Tadeu pediu e implorou para que desistisse da idéia, mas Carlos estava irredutível - seja na ânsia em descobrir que o amigo estava realmente desequilibrado ou, quem sabe, ter um absurdo contato em primeiro grau com o mundo dos lanches sobrenaturais.

Enquanto brigavam, um negão com longos dreads entrou na lanchonete e pediu uma coxinha pro chinês, apontando aquela que ele achava a mais apetitosa (devo ressaltar; o cliente odiava catupiry), pagou e, quando os dois amigos viram o que tinha acontecido, já tinha ido embora. O chinês arrumou as restantes, deixando Tadeu e Carlos confusos em relação ao salgado escolhido pelo homem. Chegaram a correr até a porta da lanchonete, mas não sabiam para que direção tinha ido - não estava mais a vista. Ao voltarem, o dono da birosca os aguardava com uma coxinha sobre um prato pequeno.

- Queria coxinha da frente, né? Lee Pong separar para você.

O medo se instalou na mente de ambos, fazendo Tadeu recuar até a porta da lanchonete, esperando o bote da criatura-comestível. Carlos pediu uma faca e aproximou-a do salgado, de maneira até relutante, aguardando um esguicho de sangue negro ou um ataque mortal. Afundou a lâmina com cuidado e quase sentiu o bicho se mexer; mas não passou de uma impressão errada e, finalmente, verificou que ali dentro havia apenas o recheio habitual de frango. Sem catupiry.

Tadeu não aceitou a metade oferecida pelo amigo, que acabou comendo o quitute sozinho, gastando pelo menos uns quatro saquinhos de catchup para esconder o gosto de fritura velha. Foram embora rindo do incidente, cada um para sua casa e, ao contrário do mínimo que se poderia esperar, Carlos não teve diarréia por causa da indigesta refeição.

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Algumas horas depois, em uma rua escura alí mesmo no Catete, jazia o corpo de um homem negro, aparentando vinte e poucos anos. Foi encontrado por uma velhinha que passeava com seu chihuahua Abelardo, que tinha sim certas tendências para gostar de cães do mesmo sexo, porém de raças diferentes.

Dona Mirinda contava ao oficial Milton que teve a impressão de ouvir o som de pequenos pezinhos correndo para longe da cena do crime, acompanhado de uma risadinha abafada. A polícia continuava a investigar o local e o cadáver, que havia sido violentamente deformado, tendo sua mandíbula inferior arrancada por inteiro, transformada em uma mistura de diversos pedacinhos de ossos e dentes, que se encontravam jogados na poça de sangue, miolos e dreadlocks.

O Investigador Peçanha desconfiava, mesmo que não tivesse confessado para ninguém, de um grupo de neonazistas que rondava o bairro, armados com tacos de baseball.

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Lee Pong ouviu os guinchos, se abaixou e pegou a coxinha ensanguentada que pulava no chão, sobre dezenas de pequenas patinhas, como um cachorrinho que pede colo. Colocou-a debaixo do fio de água que saía da torneira da pia e tirou aquele vermelho todo do corpinho de massa frita, colocando-a de volta junto das outras coxinhas no balcão (que sim, eram vendidas com dias de idade). Não havia mais ninguém na lanchonete - que já estava fechada - e Lee Pong terminou de jogar água no chão da sua espelunca enquanto repetia baixinho com sua voz anasalada:

- Iä, Iä, Cthulhu Phtagn!! Iä, Iä, Cthulhu Phtagn!! Iä, Iä, Cthulhu Phtagn!!

A coxinha ronronou (ou algo bem próximo disso) feliz e de barriga cheia, se mexeu para achar a melhor posição, piscou uma última vez antes de esconder seu olho-azeitona e embalou em um sono bastante barulhento para um salgado de frango.

2 comentários:

Anônimo disse...

ok ok ok.... confesso !!!!
me rendo !!! voces estao todos me obrigando a satisfazer minha curiosidade ;-)))
dani

Gabriela Pereira disse...

Perfeito, Pedro.
Adorei!