Acordou bruscamente, com algum um barulho que não vinha do seu despertador. Olhou para o lado e ela permanecia ali, dormindo suavemente, da maneira que ele sempre sonhou. Só de que desta vez não era mais uma imagem onírica e sim a doce realidade que ele tanto desejava e nunca acreditou ser possível. O sono tranqüilo a deixava com um ar de menina, mas ele sabia que isso era apenas parte da verdade, pois passou a noite provando da mulher que também dormia ali, ocupando aquele mesmo corpo macio.
Levantou-se e foi ao banheiro, com um sorriso bobo estampado na face. Ficou se olhando no espelho, como se seu reflexo fosse um amigo para quem iria contar um grande feito. Mas não, o que aconteceu não era para ser espalhado para todos, não era uma coisa de uma noite apenas, uma trepada bem sucedida. Claro que todos ficariam sabendo, mas não que ele comeu a mulher que ele andava atrás fazia meses - ele iria revelar ao mundo que finalmente achou a mulher da sua vida.
"Lindo, eu não poderia jamais sair contigo enquanto não resolvesse o meu lance com o Rogério antes, isso não seria justo. Nem comigo, eu quis fazer tudo certo pra gente poder ficar junto. Além do mais, eu já te disse, a espera também me deixou louca... diz pra mim que não foi mais gostoso assim?”·
Não conseguiu dizer nada, apenas a beijou e a puxou para perto, depois de saírem do caro restaurante japonês aonde foram jantar. Nisso ela tinha toda a razão; a espera, a ansiedade, todo esse sofrimento só ajudou a aumentar a vontade de tê-la, mesmo que tenha pensado várias vezes em desistir. Aliás, jurava que iria desistir dela diariamente, na hora de dormir, apenas para esquecer todos os votos quando a encontrava no dia seguinte. Era impossível não investir nos impulsos mais masoquistas de corteja-la simplesmente ao olhar naqueles grandes olhos verdes. Ainda bem que era um fraco quando o assunto era aquela menina.
Foi à cozinha preparar um Nescau e ligou baixinho a televisão da sala, para não acordá-la. A transmissão começou com um breve sinal perfeito e caiu num chuvisco interminável, lembrando-o que uma assinatura de tevê a cabo poderia ser um bom investimento. Mudou para o rádio, que estava numa situação similar - não conseguia sintonizar nada. Mudou de estação e conseguiu captar alguma transmissão, mas não queria ouvir nada que não fosse música. Ainda mais assuntos sobre guerra, era o que parecia estar sendo tratado. Provavelmente, aquele imbecil do Bush devia ter declarado guerra contra algum outro país do Oriente Médio, ainda aproveitando a ladainha patriótica de guerra contra o terrorismo. Colocou um cd e apertou play, ajustou o volume e ficou ali na sala, comendo um pão com manteiga e tomando do seu achocolatado, ao som de Tori Amos.
"All the world is all I am
The black of the the blackest ocean
And that tear in your hand
All the world is danglin’ danglin’ danglin’ for me darlin
You don’t know the power that you have with that
Tear in your hand"
Terminou de comer e ficou ali, ainda jogado no sofá, pensando. Será que iria dar certo? Claro que sim, os dois sabiam que eram feitos um para o outro. Nunca acreditou nesse lance de alma gêmea até a conhecer e porra, a noite que passaram juntos foi prova máxima disso. Nisso, se levantou correndo e foi ao quarto, num impulso infantil de se certificar que ela realmente estava lá . E sim, ainda dormia toda encolhidinha, nua e apenas meio coberta por um fino lençol. Ficou ali, encostado na porta, admirando cada curva daquela pele tão branca que não parecia vestir alguém que mora no Rio de Janeiro.
Ouviu o barulho que o acordou mais uma vez e resolveu fechar a janela, pois desta vez o ruído foi mais alto. Enquanto andava até a janela do quarto, reconheceu o som - aviões - e estranhou, pois não morava perto de nenhum aeroporto. Ao olhar para fora, observou três jatos voando em direção ao horizonte e que, de um deles saiu algo, que a esta distância era apenas um borrão em queda livre em direção ao solo e do nada, um clarão o cegou.Enquanto um enorme cogumelo de fumaça e luz se formava diante dos seus olhos, entendeu o que se passava.
Começou a se desesperar, olhou para trás pensando em a acordar ou protegê-la do perigo iminente, mas sabia no fundo que nada iria adiantar. O ar ao seu redor já estava conturbado, movimentado, se aquecendo a cada milésimo de segundo incessantemente em um turbilhão que era acompanhado de um zumbido chato, cujo volume e tonalidade só aumentavam e vinha destruindo todas as janelas na sua direção, como a luz do sol que vai iluminando as ruas quando o dia nasce.
Pensou em fechar os olhos e se jogar ao chão, mas parou no meio da ação e resolveu que não iria se entregar assim, desesperado e vencido. Tudo com o que sonhara iria se tornar cinzas em patéticos segundos, mas aconteceu e nesse último dia, alcançou a felicidade que muitos homens morrem sem conhecer. Olhou para ela uma ultima vez e sorrindo, voltou a fitar a janela - não em desespero, mas na alegria de quem sabe que realizou o seu sonho antes de partir. Abriu bem os braços e saudou a morte, abraçando com carinho quinhentos megatons de fogo e fúria.
2 comentários:
Lamentável. Esta bosta está parecendo "meu querido diário"...
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