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quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Para Caesar

Qualquer morador do Rio que ande muito por aí já deve ter reparado numa senhorinha que fica na praça em frente a Rua Farani, ali na praia de Botafogo. Ela passa o dia inteiro de pé, batendo palmas para os veículos que passam, até debaixo de chuva e inclusive nos horários mais inusitados.

O que ninguém sabe (ou apenas aqueles iniciados nos mistérios ocultos da nossa cidade) é que ela é bem mais velha do que aparenta ser. Na verdade, não envelheceu sequer um dia desde os anos do Imperador "sandalinha" Gaius Caesar Germanicus, quando ela atendia com freqüencia aos espetáculos de panis et circense no Coliseu de Roma.

Fazia questão de se sentar bem próxima da matança, pois lhe era muito prazeiroso sentir o cheiro do sangue dos mortos escorrer naquele chão de terra batida. Vibrava quando fera ou gladiador arrancava um membro inteiro de algum escravo que, por um motivo ou outro, não teve a sorte de permanecer nos trabalhos forçados e teve seu destino final como entretenimento barato para as massas.

Porém, um dia sua figura ficou em destaque nos olhos de um destes homens que ela tanto gostava de ver sofrer. Para seu azar, este homem era um feiticeiro sábio em suas terras distantes e invocou o nome dos seus deuses antigos, lançando-lhe uma terrível maldição: passaria a eternidade aplaudindo aqueles que iriam morrer para a diversão de outros.

Os séculos se passaram e, assim como foi dito pelo grande xamã tribal, aquela senhora segue a sua abominável sina - saúda a passagem dos homens e mulheres que seguem o seu destino cruel.

Hoje, ela bateu palmas para mim...

E tudo antes do café-da-manhâ

Beep, beep, acordo, rotina. Desligo o despertador e ando de cueca até a cozinha, para pegar o jornal no corredor. Olho pelo olho mágico, vejo a vizinha-que-não-é-a-vizinha de pé no hall e a porta do seu apartamento está aberta. Ela sabe que estou ali, olha para a minha porta e se aproxima, com um sorriso maroto na face. Me afasto e faço algum barulho, agora tenho certeza que ela esta observando e que não vai embora. Finjo ser o cachorro, rosno, rosno e aguardo. Ela continua esperando, posso ouvir a sua respiração bem próxima, através da madeira. Preciso ler o jornal. Olho novamente e ela está de pé na porta da sua cozinha, veste agora um biquine dourado e tem o corpo coberto de purpurina da mesma cor. A porta do elevador se abre e de lá saem dúzias de pessoas dançando, modelos semi-nuas vindas do carnaval na Sapucaí e drag queens da Banda de Ipanema. Todos jogam confete para o ar, no ritmo de uma bateria invisível e sem som. Fazem festa no corredor, pulam, cantam e bebem champagne e eu ainda preciso ler o jornal. Mato o tempo, faço flexões e apoio as mãos na pia e na bancada paralela, exercito os músculos sedentários, subindo e descendo, subindo e descendo. Olho novamente, vejo câmeras de TV andando pelo meio da festa no hall, filmam a celebração matinal que não termina, cada vez mais tarde, cada vez a hora é mais próxima da hora de trabalhar e eu ainda não cheguei ao jornal e preciso dele para enfrentar o dia. Não dá mais, abro a porta, de cueca. Lá fora, a câmera me filma e Pedro Bial inicia uma entrevista comigo, o resto do andar agora totalmente vazio. Dou bom dia e bato a porta, deixando-o surpreso e a aguardar outra pessoa para importunar com seus comentários de reality-show. Deixo o jornal sobre a mesa da cozinha e pulo da janela sem medo, em direção ao mar azul, para nadar na companhia da baleia jubarte que vi espirrar água alto pelo seu orifício nasal, longe dali. Beep, Beep, acordo, rotina.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Donnie Darko Quote of the Year

Dr. Lilian Thurman: Do you feel alone right now?
Donnie: Oh, I dunno. I mean I'd like to believe I'm not but I just... I've just never seen any proof so I... I just don't debate it anymore, you know? It's like I could spend my whole life debating it over and over again, weighing the pros and cons and in the end I still wouldn't have any proof so I just... I just don't debate it anymore. It's absurd.
Dr. Lilian Thurman: The search for God is absurd?
Donnie: It is if everyone dies alone.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Pequenos Momentos Durante a Tempestade



É pra esse tipo de coisa que vale a pena viver.
Arigatou, Kazuo-san. Arigatou, Goseki-san.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Citações S/A

Interior do escritório. Dia

Ludmilla
Ah Pedro, tinha preparado o Bruno (nota: namorado dela) para
te conhecer no aniversário, avisei que você é meio caladão mesmo,
pra ele não achar que é pessoal.


Pedro
Assim é bom, senão passo, como de costume, a
impressão de ser mal educado e antipático.


Ludmilla

Pois é. Mas ele comentou que nada,
que você estava super falante e tudo mais.


Pedro

Sei lá o que aconteceu, baixou um Exú simpático em mim.

Ludmilla
É, tava todo dadinho.

Pedro
Dadinho é o caralho, o meu nome é Zé Pequeno.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

David de Michelângelo bezuntado com Cenoura & Bronze

Sábado, durante umas cervejas no Herr Brauer (tendo provado a Mistura Clássica Amber, aprovada mas não excelente), o papo desandou para a maneira que uma pessoa olha para um membro atraente do sexo oposto (ou do mesmo sexo, caso você goste da fruta).

(a partir de agora os poucos nomes citados serão trocados para preservar a identidade dos participantes. Menos a minha, claro).

Fauna, namorada de Ahmet, acredita que o normal seja despir a pessoa com os olhos. Até aí, podemos concordar, não? Mas ela imagina a pessoa estática. Paradona. Olhando para a câmera, músculos tensos, postura rígida. Ou distorcemos um pouco o que ela disse, o que não seria incomum da nossa parte. Mas a essência é essa.

O resto da mesa discordou: não precisa necessariamente despir, mas imagina-se a pessoa em ação. Como ela deve beijar, se mover, o jeito de olhar, como sorri (se tem sorriso ingênuo ou safado). Se gosta de sexo 'carinhoso' ou selvagem. Se fala palavrão. Se engole. Se a pele fica marcada depois que leva uma mordida.

A mesa ao lado, composta por gente nova, ficou meio chocada. Que cousa.

E você, o que imagina?

terça-feira, 12 de junho de 2007

Oração

Acordo de sobressalto, um susto que me sacode e segura de pontacabeça no ar. Rodopio no sentido do giro da Terra, torço e me enrosco agarrado ao lençol, enquanto as pupilas se entendem com o negrume do fim da noite.

Com os olhos, e somente com eles, sigo a corda tosca do nó que me prende as canelas até a roldana dourada pregada no teto. Acompanho as cerdas com pavor e encontro as brutas e marcadas mãos do torturador, vestido de marrom e com cabelo cortado feito cuia de leite. Traz dependurado ao redor do pescoço um diabrete de cabelos cacheados que zomba silenciosamente de mim.

"- Vejas como é bom pendurar os outros, ó pá!"

domingo, 25 de março de 2007

Canções para Camila

Antes de ir ser um dos piores alunos do Colégio Santo Agostinho, estudei em uma escola menor tradicional do bairro onde moro. Se no primeiro era aquela loucura de seis turmas com quarenta alunos organizados em ordem alfabética, o segundo só tinha uma turma com vinte e poucas crianças por turno e olhe lá. E quase não havia rotatividade: muitos dos colegas de jardim de infância acabaram se formando do ginásio comigo.

Era o caso de Camila. Não lembro exatamente qual a idade que tinha quando começamos a estudar juntos, mas foi um caso de amor a primeira vista. E que ia se renovando (apesar de um intervalo no início da adolescência, onde tive uma queda por uma menina do curso de inglês que até hoje encontro vez por outra).

Fast forward para último ano do ginásio, 15 invernos de idade. Eu já deixava o cabelo crescer, meu metabolismo lento e alimentação errada me deixavam maior e os hormônios entravam em ebulição. Camila, pelo contrário, ficava cada vez mais linda.

Muitas vezes formamos dupla de carteira e me lembro bem de uma vez que passei mais de um tempo de aula acariciando sua mão sobre o tampão da mesa. Um pequeno bucha, claro. Camila só queria saber dos garotos um ou dois anos mais velhos, com músculos e cara de cafajeste.

Os meus amigos todos sabiam, todo mundo sabia. Um deles, um pequeno filho da puta, me convencia a ligar e me declarar por telefone, na frente do grupinho. Ele discava, me dava o aparelho e eu não tinha coragem de falar nada e desligava, todo encabulado e humilhado.

Se não tinha coragem de falar, tinha para escrever. Escrevi muitas cartas, as jogava fora, rasgava, re-escrevia, passava a limpo. E escrevia músicas para ela, mesmo sem saber tocar violão ainda. Em inglês claro, como todo bom adolescente. Bryan Adams se orgulharia do conteúdo de cada uma delas. De vez em quando arrumava uma maneira de voltar correndo do recreio ou me esgueirar num churrasco da turma e, num arroubo de coragem, colocava uma dessas cartinhas dentro da mochila dela. E voltava triunfante, me achando o grande homem que se declarou para a mulher amada.

O mesmo pequeno desgraçado do telefone, não sei se por maldade ou achando que estaria ajudando, me fez passar pela experiência mais traumatizante da adolescência: a rejeição em público. Todo mundo conhece aquela brincadeira que só gera problemas, a famosa "Verdade ou Consequência". Pois então, festa em play, vinte pessoas na roda e giram o tênis, o destino faz o resto. Ele pergunta se um dia ela iria me dar uma chance e antes dela responder (por mais que eu tenha protestado contra a pergunta), me levanto e vou pra longe pra não ter que ouvir o que eu já sabia. Todo mundo sabia.

Dez minutos depois, ela me procura para falar como gosta de mim como amigo e que não tem nada a ver eu gostar dela assim e todas aquelas baboseiras que ninguém quer ouvir quando se é rejeitado, aquela ladainha que só te faz se sentir pior.

Mas no mesmo ano, eu tive minha pequena vitória. Em outra festa, duas outras amigas vieram me contar que já tinham lido minhas cartas e músicas, que eram lindas e tudo mais. Camila as guardava numa gaveta e mostrava para elas. Uma delas, olhando hoje em dia, deixou meio indicado que iria adorar receber uma delas. Mas o bucha aqui não entendeu.

Se ela ainda as guarda, sei lá. Mas aposto que os outros lá nunca escreveram um parágrafo. Se alguém conhecer Camila, diga que agora ela ganhou um post de blog para juntar aos troféus da adolescência.

Agora, peço perdão e me ausento, vou ali me apaixonar por alguém mais real.

So now were passing strangers, at single tables
Still trying to get over, still trying to write love songs for passing strangers
All those passing strangers
Marillion, Blind Curve b) Passing Strangers