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quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Barril de Madeira, Cara-de-Pau


Já estava querendo fazer este post tem uns dias, mas o sono atrasado por conta do Planeta Terra me impediu. Hoje, ao folhear (digitalmente, pode ser?) o O Globo, vi o anúncio de meia página e resolvi que era o momento ideal.

Uns meses atrás, a Bohemia (que não pode ser chamada de cervejaria, já que é apenas uma marca da Ambev) fez uma jantar de lançamento de uma novidade, para a imprensa e convidados do mundo cervejeiro. Chegou o dia e pasmem!, não era uma nova bebida e sim a estréia do site da Bohemia - o que deixou todo mundo bastante decepcionado, claro.

Semana passada, eles finalmente fizeram o que todo mundo esperava na primeira vez, mas sem largar mão do fator broxante. Pois bem, surge então a Bohemia Oaken: uma lager metida a ale inglesa, feita "artesanalmente uma a uma pelo Mestre Cervejeiro" e "maturada com carvalho" por "um longo período".

As aspas estão aí presentes com alguma razão, então vamos a elas.

Pra começar, nenhuma cerveja é feita uma a uma, isso é preciso ser desmitificado. Não estamos falando de miçangas ou cachimbos de durepox vendidos por hippies latinos na praia de Ipanema, mas sim de uma bebida alcóolica fermentada que passa por um processo com diversas etapas distintas como brassagem, fervura, fermentação, maturação, etc etc etc. Quando um cervejeiro artesanal caseiro faz uma leva, devemos acreditar que a sua produção consista em um mínimo de 20 litros (apesar de alguns abnegados conseguirem produzir de 5 em 5, por exemplo), o que está longe de configurar UMA garrafa apenas. E estamos falando de uma das maiores cervejarias do mundo, com acesso ao que existe de mais moderno em tecnologia industrial. Acho que a expressão "uma a uma" já foi derrubada e que "artesanal" também não é um termo lá muito adequado, por menor que tenha sido a produção da Oaken ou por mais carinho e cuidado que tenha sido aplicado a ela.

Continuando, o consumidor desavisado pode acreditar que a Oaken passa por uma maturação em barris de carvalho, mas o que acontece está bem longe disso. Ela é maturada COM chips de carvalho (sim, pedacinhos de madeira), que é uma prática um tanto quanto mal vista entre fabricantes de vinho e uísque, já que serve para enganar o paladar com notas de madeira sem fazer o líquido passar por um real envelhecimento (o que de fato torna o produto mais nobre) dentro de um barril de verdade.

O que nos leva ao terceiro ponto: o tal longo período de maturação, que é indefinido. Digamos que, para um leigo, qualquer espaço de tempo pode ser longo demais - o que interessa é beber logo. E posso adiantar também que cervejas boas podem maturar anos, só ganhando em qualidade com isso. É só procurar na internet para achar lojas e restaurantes que oferecem cervejas como a Thomas Hardy's Ale ou a Golden Carolus Cuveé van de Keizer, que se envelhecidas adequadamente (em caves ou ao menos protegidas da luminosidade e calor) por vários anos, são encontradas por valores considerados exorbitantes para uma simples cerveja.

Mas então, e daí? O que acontece é que uma cerveja industrial não matura mais do que o mínimo necessário. É perder tempo em que o produto já poderia estar no mercado, tempo em que o tanque pode estar ocupado com uma nova leva e perda de tempo na data de validade. Sim, porque não é qualquer cerveja que pode envelhecer - isso depende muito do teor alcóolico, da qualidade da matéria prima utilizada e por aí vai. E cervejas feitas por grandes cervejarias não costumam se enquadrar nessas condições.

Então, o longo período é relativo. Podemos usar de boa vontade para acreditar que é maior que o normal - e eu não duvido que seja, de verdade. Mas me parece mais publicidade, para fazer que o produto pareça muito mais nobre do que é na verdade.

Assim como é essa a intenção da broxante estratégia de lançamento: só é possível adquirir a Bohemia Oaken através do site da cervejaria (em parceria com o Submarino), em kits luxo em caixa de madeira, que vem com duas garrafas de 550ml (ou seja, 1,1 litro), duas taças e algum material impresso sobre harmonização. Pela "bagatela" de 85 reais. E tem gente por aí falando que vale a pena, pela raridade e exclusividade, já que são apenas 4 mil kits a serem vendidos (totalizando 4,4 mil litros de cerveja produzidos) e depois acabou, nunca mais.

Eu não provei a Oaken e dificilmente irei provar, pelo fator "venda casada" e pelo preço sugerido. Não posso qualificar a cerveja sem prová-la, fato, mas posso argumentar que as outras produções premium (a Escura, a Weiss, a Confraria e a finada Royal Ale) da marca não são lá grandes coisas - apesar de que prefiro qualquer uma delas a qualquer cerveja popular brasileira, incluindo aí sua irmã pilsen que, muita gente acha por aí que é puro malte, mas leva boa quantidade de cereais não maltados na sua composição, tipo milho e arroz. No entanto, me recuso a pagar um valor tão superior aos de muita cerveja importada (já com a sobrecarga de impostos e lucros de importador, atravessador, etc ad aeternum) que certamente dão de 10 a zero.

Penso logo na Strong Suffolk Vintage Ale como exemplo, por levar o Oak a sério. Essa cerveja inglesa é um blend de uma ale mais forte (no alto dos seus 12% de teor alcóolico) que envelhece DOIS anos em BARRIS de carvalho e, só na hora de engarrafar, é misturada com outra ale mais fraca e nova. É uma cerveja sensacional, produzida por uma cervejaria grande do Reino Unido - a Greene King - e que é vendida aqui no Brasil. Em Tupiniquimland, a bela garrafa de 500ml chega ao consumidor final por um valor entre 18 e 25 reais em mercados e lojas especializadas (um pouco mais cara em bares, claro), porém custa uma "ninharia" em sua terra natal: 1,89 libras (6,5 reais no câmbio de hoje).

Poderia citar cervejas belgas exclusivíssimas, raridades difíceis de se encontrar até no país de origem, como a Saison de Natal da Dupont - a Avec les Bons Veux. Comprei uma garrafa (de 750ml) para presentear o namorado de uma amiga, em uma loja não necessariamente barateira em Bruges. Por 6-7 euros e, ao que parece, é uma cerveja fantástica e bem complicada de comprar.

Então, pagar pela raridade me parece simplesmente uma estupidez sem tamaho. Nessa mesma loja na Bélgica eu consegui 3 garrafinhas da Westvleteren (ranqueadas como as MELHORES DO MUNDO, mas que ainda não provei pra concordar ou não com o "hype") por um valor bem acima do que é cobrado no único local oficial de venda (o mosteiro onde é produzida) e está longe de custar o mesmo que a Oaken. Cáspita, eu adquiri uma caixa com 12 long necks da maravilhosa pílsen Tcheca (feita pelo trio Leonardo Botto, Edu Passarelli e Bamberg), com produção total também limitada a 5 mil litros (esqueçam, com tiragem única já esgotada. Perdeu playboy) e o total com frete (somando uns 4,26 litros de líquido dourado) foi de 64 reais. Quase o quádruplo de cerveja por menos que 3/4 do preço.

Pode-se argumentar a questão do resto do kit encarecer o pacote todo, claro. Mas qualquer visita a uma Lojas Americanas te mostrará que as taças das cervejas da Bohemia são bem baratinhas (e um tanto frágeis, vamos assumir). Tô pagando pelo engradado de madeira, então?

Não, você está pagando pela burra estratégia de marketing da empresa, que quer valorizar seu portfólio premium (a linha Bohemia, apesar de também ter uma carta com as importadas da Imbev) para combater as crescentes microcervejarias, as importadoras de cervejas sensacionais e, principalmente, a concorrente Schincariol, que recentemente adquiriu três das maiores micros do país: a catarinense Eisenbahn, a paulista Baden Baden e a carioca Devassa. No Brasil é MUITO comum "agregar valor" a um produto simplesmente tornando-o exclusivo, o que no meu português significa MAIS CARO. A Schin fez o mesmo ao lançar a Baden Baden Tripel, que chega ao cúmulo de custar 75 contos de Real a garrafa (de 600ml!) e é outra cerveja que eu jamais devo colocar na boca - já que não acho que as outras cervejas da linha correspondam muito ao valor de mercado delas (por volta de 8-15 reais, pelo mesmo volume).

As empresas rivais, se quisessem realmente ajudar a ampliar o consumo de cervejas premium (o processo já começou e independe delas) , estariam empenhadas em produzir maiores volumes de cervejas melhores com preços mais acessíveis. Mas ao lançar produtos em quantidades limitadíssimas e com valores bizarros, estão apenas competindo pela falsa aura de qualidade que o dinheiro atribuiu - considerando que o consumidor desse mercado tem poder aquisitivo maior e cai feito pato nessa história da carochinha.

A saber: a famosa Deus Brut de Flandres, que aqui no Brasil é vendida a preço de ouro (240 reais a garrafa de 750ml) , custa 35-40 reais em mercadinhos de Bruxelas. E vou logo avisando que nem é essa Coca-Cola toda.

Imagem do cabeçalho retirada do blog Latinhas do Bob. Irei cobrir esse post de links em breve.

8 comentários:

Pedro Vieira disse...

Deveras lúcido e esclaredor.

Prova que a Bohemia merece todo o nosso escárnio e, portanto, beberemos Itaipava na próxima vez que formos ao bar do anão, em sinal de protesto.

(NOT)

SATAN disse...

esse papo todo me deu vontade demais de voltar na herr brauer. vamos?

Gabriela Galvão disse...

Jah falei: eu bebo sim, tem gente q ñ bebe, estah vivendo mas eu melhor que aqueles, aposto 'cenzão'.


Adoro cerveja! Cerveja.


Abraços e beijinhos

Edney Souza disse...

Provavelmente se eu tivesse visto alguma propaganda dela não teria comprado, mas simplesmente um amigo meu me mandou um e-mail, li, achei interessante e comprei. Sabia o tempo todo que eram lascas de carvalho ao invés de barris e nunca imaginei que era uma a uma! :)

Com certeza não chega perto de uma Strong Suffolk Vintage Ale que felizmente tem à venda no Tortula aqui perto de casa, mas é uma cerveja um pouco acima da média, me agrada o teor alcóolico menor e compraria outra sim supondo que a garrafa fosse por uns R$ 15,00 (mais barata que a Suffolk)

Outra coisa, não dá pra vc converter pelo cambio do dia pq além dos 60% de importação bebida ainda tem 25% de substituição tributária além de outros impostos cumulativos, mas certamente 3 vezes o preço original é um exagero, só pago pq é mais barato do que visitar a Europa! :)

Pedro Fraga disse...

Mas a minha comparação era o valor de compra de uma cerveja nobre de verdade para um inglês.

Ela sai baratinha pra quem mora por lá, não faz sentido algum uma cerveja feita no Brasil sair uma fortuna pra um brasileiro :)

Tessa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
BGT Biergarten disse...

Você gosta de cerveja?
Nós amamos. Empório Biergarten: cultivando Prazeres
Mercadão da Cidade
Avenida Lygia Latuf Salomão, 605, box 83
Jd Nova Aliança - Ribeirão Preto - SP
Tel: (16) 3237.0722
http://www.emporiobiergarten.com.br/blog/

Anônimo disse...

Essa bohemia realmente não merece nem de longe o marketing que tem, mas se custasse uns 3 reais eu beberia novamente.
Mas vou te falar uma coisa, já tomei uma cerveja caseira feita com chips de carvalho que estava algo de sensacional.
beijos